na periferia da cinelândia

hable con ella: cineorlyarrobagmailpontocom

Arquivo para hélio oiticica

Uma experiência cinematográfica diferente/Hélio Oiticica

a_pureza_eh_um_mito

Nas férias de dezembro fui ao museu, prometi que escreveria e até esqueci. Mas relendo hoje O Pensamento Mestiço, do historiador Serge Gruzinski, lá pelas tantas acabei dando de cara com uma citação sobre o trabalho de Hélio Oiticica, justamente sobre a obra Tropicália, aquela mesma que nomeou – muito corretamente – o movimento musical que colocou Caetano, Mutantes, Tom Zé e Rogério Duprat encantando muitas cabeças por aí, inclusive a minha.

Vou deixar que o Gruzinski fale da sua experiência sobre a obra do Oiticica, vivida por ele em 1997, na Alemanha:

“A exposição da Documenta X apresenta outras obras também ligadas ao Brasil. Ao lado de Lothar Baumgarten [fotografo alemão], propunha uma retrospectiva da obra de Hélio Oiticica, cuja produção dos anos 60 se liga às preocupações do movimento ‘antropofágico’. Para essa corrente modernista dos anos 20 – a que se vincula Mário de Andrade -, cabe ao homem colonizado – aqui, ao artista brasileiro – digerir a cultura do colonizador para melhor fundi-la com as culturas nativas. Partindo desses princípios, Oiticica recuperava e reciclava materiais populares para decapá-los de seu verniz exótico ou folclórico e conferir-lhes um alcance universal. […] Em Tropicália, labirinto montado em 1967, Oiticica encena as divergências e dualidades da sociedade brasileira, produzindo uma indeterminação que impede que o sentido se fixe: suas imagens fragmentárias escapam às recuperações do consumo e do mercado.”

Dez anos depois foi minha vez: a experiência de penetrar a Tropicália – e digo isso quase sem exagero –  na exposição que o MAM/RJ fez em comemoração aos 40 anos do movimento. Lá, além de várias obras da Lygia Clark expuseram também uma versão da obra Tropicália. E foi lá que conheci os penetráveis do seu Hélio, com seus ambientes de texturas experimentáveis e pisáveis. E entender as idéias que se passavam lá nos idos de 1960 finalmente se tornou uma experiência palpável, de pegar com a mão mesmo. E foi exatamente como disse num texto que escrevi na época: “vc ouve falar dessas obras e desses artistas, tipo oiticica e lygia clark e mesmo assim sobra um vazio de entendimento pra completar o significado inteiro. ontem lá no mam eu consegui entender algumas coisas.”

dsc00189

Dois anos depois dessa experiência, vagando pelo centro da cidade, dei de cara com o Centro de Arte Hélio Oiticica com as portas abertas. No catálogo da exposição Penetráveis é possível descobrir que as obras recebem esse nome porque são estruturas físicas realmente penetráveis com o intuito de explorar a idéia de espectador-participante, sendo você convidado a adentrar aquela estrutura, de corpo inteiro, para pensar sobre muitas coisas, inclusive sobre as idéias de cor e espaço.

Sobre a sensorialidade ligada às obras o catálogo diz ainda que “em sua riquíssima operação artística, somatória e agregadora de conceitos e valores, Tropicália sinalizaria para Oiticica mais possibilidades ambientais e a sua chegada à idéia do supra-sensorial que condensaria para a arte a conjugação de estética, vida e mito.”

Amiguinho, sei que você pode tá achando essa conversa de estética/vida/mito um papo pra lá de marrakech, mas vou te contar uma historinha bem simples sobre esse dia no museu do seu Hélio que vai te fazer repensar sobre o tamanho e autenticidade dessa viagem: tava eu perdida num complexo de penetráveis chamado Éden, quando de repente tinha ali mais uma daquelas casinhas entráveis. Abri a cortina de plástico e pensei ‘mas não tem nada nessa casinha’. Então resolvi me fechar lá dentro e ver o que rolava. Tudo escuro e um chão cheio de folhas ainda vivas. Respirei. O cheiro de mato recém cortado subiu e a sensação das folhas nos pés me levou dali pro sítio do tio em que eu passava férias quando era moleca. Pisar o passado, sabe como? Ali comunguei com seu Hélio: estética, mito, passado, vida, tudo junto numa casinha de madeira dentro de um museu.

Enfim, recomendo a experiência pra quem vier ao Rio de Janeiro. É de graça, é bonito, é arte e não se esqueça: vá direto ao terceiro andar e venha descendo. No térreo, depois de sujar muito os pés [e a cabeça], os curadores instalaram Rijanviera, onde se caminha por um rio artificial de água gelada e pode-se então calçar os sapatos de novo e sair na rua bem diferente de quando se entrou.

P.S.: em algum lugar do catálogo se lê que o Oiticica queria criar obras ‘quase-cinema’…