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Lars and the Real Girl (2007)

Porque se Jesus é o que dizem dele, ele deixaria Bianca entrar.

Se você preconceitua a atual safra de filmes independentes norte-americanos a quem muitos acusam de bonitinhos mas ordinários, com produções e figurinos seguindo o padrão indie de vestir (o que por si só já arrebata o coraçãozinho frágil dos fashionistas) e trilhas sonoras repletas de hits de bandas da islândia ou regiões adjacentes – tudo cuidadosamente formatado para venda –  o cartaz de Lars and The Real Girl pode desencorajar.

Agora, se você foi um adolescente caladão e nerd, que cresceu e se tornou um adulto caladão e nerd, independente dessa onda que fez com que ser caladão e nerd se tornasse uma referência cool a ponto de ser um estereótipo adquirível até por aqueles que não possuem essa natureza, você vai se emocionar com o drama de Lars. Pelo menos foi o que aconteceu comigo.

Lars (numa atuação sensibilíssima de Ryan Gosling) tem 27 anos, mora na garagem da casa que já foi dos pais e agora é do irmão mais velho, Gus (Paul Schneider) e de sua esposa Karin (Emily Mortimer conhecida também pelo papel da mãe em Dear Frank). Sua rotina é muito simples: ele sai de casa pro trabalho e vice-versa. E prefere ficar em casa a ter que realmente se socializar, evitando todo aquele constragimento de perguntas como ‘o que você anda fazendo?’, ‘quando vai arranjar uma namorada?’, ‘você não gosta da gente, Lars?’ E entre viver a dor de perder alguém, ele escolheu não estar com ninguém.

Sua família não entende essa escolha e força a barra. Ele se chateia, mas cumpre seu papel social vez por outra. No trabalho existe até uma moça que gosta dele, Margo (Kelli Garner). Mas as pessoas são muito óbvias e afoitas, e isso também chateia Lars. Até que um dia o cara que divide a baia com ele no trabalho mostra um site, e seis semanas depois ele descobre uma forma de expressar o que sente a comunidade em que vive: Bianca, uma boneca inflável com alguns diferenciais.

O que ele faz é forçar a todos uma convivência com Bianca, tratando-a como se ela fosse realmente viva. Uma dica do significado real dela é quando ao sair da igreja, a senhora Gruner – uma das poucas pessoas que inicialmente apoia a atitude de Lars – oferece flores à Bianca e ele diz: Vê como são lindas essas flores? E elas sempre serão, pois não morrem:são de plástico.

Com o tempo toda a comunidade entra no jogo de Lars, demonstrando apenas o quanto gostam dele, tratando a boneca de forma natural e convidando-a para participar como voluntária na pré-escola, levando-a a festas, cortando seu cabelo. Até a médica da família, doutora Dagmar (Patricia Clarkson) convence-o que Bianca está passando por alguns problemas de saúde devido à adaptação ao clima, já que veio do Brasil, e através de uma terapia mediada pela presença inerte da boneca ela consegue se aproximar e estudar o comportamento dele, entender seu motivos.

Dá pra sentir bem o quanto a boneca se torna um meio através do qual ele consegue se relacionar e ser aceito, quando os dois – Lars e Bianca – vão à festa de aniversário de uma amiga do trabalho dele e todos os tratam como iguais, servindo bebidas à boneca, dançando com ela, invejando seu cabelo. E a cena da volta deles para casa é emocionante.

É complicado perceber o quanto são prejudiciais à sanidade algumas cobranças sociais, criadas sem consideração por aqueles que obviamente não se adaptam a elas. É complicado admitir que estar doente como Lars é estar chateado com o mundo a sua volta. E bom é ser surpreendida com um roteiro como esse, que tratou da questão de maneira criativa e delicada.

Um aplauso extra para Ryan Gosling e para Bianca que souberam comunicar muita coisa mesmo falando tão pouco ou quase nada.